domingo, 17 de fevereiro de 2013

Bilbo


BILBO
Fabrício Carpinejar

Eu vi Bilbo em seus últimos dias.

Ele seguia seus donos Mário e Diana para todo lugar.

Quando está morrendo, o cão é um corredor entre seus donos.

Diana olhava para Mário a partir de Bilbo.
Mário olhava para Diana a partir de Bilbo.
Diana olhava suas filhas a partir de Bilbo.
Mário olhava suas filhas a partir de Bilbo.
As filhas olhavam os pais a partir do Bilbo.

O Bilbo no meio do casamento dos dois. Quinze anos cuidando das meninas do casal: Júlia e Laura.

Só tomava água. Só comia água. Mas não desistia de encurtar generosamente a casa.

Ele era a porta daquela casa. Buldogue forte, negro e branco, com o andar avançado de esgrimista.

O primeiro a ser visto para quem entrava. O primeiro a receber as visitas.

Bilbo, hobbit canino.

Ele não quis morrer de madrugada. A madrugada é para os fracos.

Faleceu com o sol vindo. Faleceu na luz. Lavou seu rosto na claridade para não ser esquecido.

O cachorro é mesmo um anjo pedestre.

Não tem a soberba das asas e nos chama para descer ao chão.

Quem não se ajoelhou para abraçar seu cão?

Quem não rolou no tapete para rir das cócegas das falsas mordidas?

Os cachorros devolvem brincos perdidos. Avisam dos cadarços soltos. Recuperam livros atrás das estantes. Farejam papéis debaixo da geladeira. Catam brinquedos debaixo das camas.

O cachorro é nossa modéstia de terra e inços, nossa vontade de grama e vento.

É o hábito de brincar no solo, a infância da ternura, o raso, a sopa de folhas.

Ele engatinha com os olhos, nos atrapalha de atalhos.

Pede nossos joelhos juntos. Para aplaudir a vida com as pernas.

O cachorro nos convence a deitar a cabeça no colo das patas para viajar em nossos cabelos.

Os cabelos são asas emprestadas.

Os cachorros nascem sem asas para merecê-las.

Eu vi Bilbo em seus últimos dias.

E respeito muito mais a morte.













 Via Facebook

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